segunda-feira, 26 de julho de 2010

NEURÓNIOS SINALEIROS

Nova crónica de António Piedade saída no "Diário de Coimbra":

Está a ler um jornal. Queira por favor mover a sua mão até ao canto superior direito da folha e oprima o canto desta com o seu polegar e o seu indicador direito (no caso de estar a ler via internet, substitua o alvo pelo canto superior direito do monitor).

Tome agora consciência do gesto que acabou de fazer e que muito provavelmente acompanhou com o olhar (que certificou a exactidão da posição final) e recorde-o mentalmente (se ajudar, feche momentaneamente os seus olhos). Repita o gesto, mas agora certifique-se mesmo que não olha para a sua mão em nenhum momento do tempo que demora a levar os dedos até ao canto superior direito. Mesmo que não tenha seguido inicialmente o movimento com os seus olhos, é muito capaz de imaginar o gesto que fez da primeira vez e repeti-lo com uma precisão aceitável. Os olhos permitem que o cérebro veja, mas este também é capaz de gerar imagens de referência, a partir de padrões previamente adquiridos, que pode utilizar libertando assim os olhos para outros horizontes. Por exemplo, os pianistas conseguem estar a tocar, movimentando os dedos das duas mãos, sem o auxílio dos olhos, que poderão estar fixos na partitura musical. Impressionante não é?

Sinta de novo todo o movimento, desde o início até ao fim, e imagine a quantidade de músculos envolvidos neste gesto. São muitos, não são? Ombro, braço, mão e dedos…como é que esta quantidade de músculos é controlada, orquestrada, para efectuar aquele gesto?

Pense agora, só por um instante, que não conseguia de todo, ou com muita dificuldade, realizar aquele gesto. Sente a mão e o antebraço pesados, não é? E se não o conseguisse devido a um tremor redutor da sua motricidade fina?

Mas afinal de contas, o que é que estamos para aqui a experimentar? Estamos a dar enfoque à nossa capacidade de controlo motor, mais ou menos fino consoante a idade e o contexto de saúde da pessoa em causa.

Para quê? Para nos identificarmos e sintonizarmos melhor com o significado e importância da investigação que tem sido realizada por neurocientistas e que visa, primeiro identificar e compreender, para depois poder aplicar esse conhecimento em terapias dirigidas ou ajustadas a determinadas disfunções do sistema motor. Que disfunções? Por exemplo, as que estão associadas a doenças neurodegenerativas e que afectam o controlo motor, como são as de Parkinson e Huntington.

Recapitulemos o gesto inicial pondo em evidência as áreas cerebrais que se sabem estarem associadas ao simples gesto que acabou de realizar.

Não cabe nesta crónica detalhar como é que o cérebro “percebeu” que deveria “coordenar” o movimento da sua mão direita até ao canto superior direito (da folha, ou do monitor). Contudo, refira-se que um “frenesim” de circuitos neuronais em diferentes zonas do cérebro, como sejam o córtex visual, o córtex de associação visual, o cerebelo e o hipocampo, estão activos e a “trabalhar” em conjunto, para que possam identificar e dar significado aos caracteres gráficos que os seus olhos captam. Descodificada a informação lida, são activados os circuitos neuronais apropriados para executar o gesto sugerido. Identificado o alvo final do movimento, fruto do trabalho do córtex visual (lobo occipital) e/ou do córtex pré-motor (lobo frontal do cérebro), entram rapidamente em acção o córtex motor do hemisfério esquerdo (as vias de comunicação entre o cérebro e o corpo estão, em geral, cruzadas), o cerebelo (maestro da motricidade, equilíbrio e postura corporal) e os gânglios basais. De alguma forma, inúmeros circuitos neuronais estabelecem comunicação em rede entre estas estruturas cerebrais e o córtex motor que envia impulsos nervosos (eferentes) para os músculos necessários à execução do movimento sugerido. No reverso, impulsos nervosos (aferentes) retornam dos músculos activados, assim como dos órgãos visuais, para que as estruturas cerebrais nos lobos frontais e occipitais “monitorizem” a cada instante a boa prossecução e suavidade do gesto. Muitas centenas de trocas de informação entre circuitos neuronais e músculos de forma a assegurar que a mão se dirige para o local pretendido. Mas, em que zona(s) do cérebro se encontram os circuitos neuronais responsáveis pelo envio das ordens: iniciar e terminar o movimento? Estarão situados em zonas diferentes?

Num artigo publicado por Xin Jin e Rui M. Costa (investigador principal do Programa Champalimaud de Neurociências no Instituto Gulbenkian de Ciência), na passada quinta-feira na revista Nature (aqui), são apresentados os resultados de investigações por eles efectuadas, nos últimos três anos, e que visam identificar e entender os circuitos neuronais envolvidos na aprendizagem do “iniciar” e do “terminar” um movimento ou tarefa. Para isso utilizaram ratinhos que, a troco de guloseimas (açúcar) “aprenderam” a tocar oito vezes (e não sete ou nove) numa mesma tecla de um piano.

Já se sabia que um grupo de neurónios, activados pelo neurotransmissor dopamina (neurónios dopaminérgicos) e situados no corpo estriado nos gânglios basais, que delineiam uma das principais vias dopaminérgicas (a nigroestriatal), estavam, de alguma forma, envolvidos na aprendizagem de acções sequenciais e na execução de tarefas.

O que Rui M. Costa e Xin Jin identificaram é que há um grupo destes neurónios que se activa quando se inicia a tarefa e outro conjunto, distinto do primeiro, que é activado para a acção terminar. É como se fossem as letras capitais e os pontos finais no texto das instruções para um dado movimento ou tarefa. Uma espécie de neurónios sinaleiros que dirigem o início e o fim de tarefas sequenciais para além de estruturarem sintacticamente a aprendizagem de novos movimentos.

Para além do natural interesse para a compreensão de como o nosso cérebro funciona, a identificação destes interruptores neuronais tem interesse particular para a compreensão das desordens motoras associadas às doenças de Parkinson ou de Huntington, uma vez que se sabe estarem os neurónios dopaminérgicos dos gânglios basais afectados ou mortos nestas afecções neurodegenerativas.

Serão também estes os neurónios da tabuada, da recitação, das lengalengas?

António Piedade

1 comentário:

Anónimo disse...

NEURÓNIOS

Quem me haveria de dizer a mim
que tenho na cabeça uma central
de trama puramente neuronal,
sem nunca saber antes que era assim!

É como se tivesse um sinaleiro
dentro de mim a comandar meus passos,
pondo no chão determinados traços
para eu não me afastar do meu roteiro.

Cada passo que dê ou cada gesto
que porventura faça, é manifesto
que o resultdo são de um mecanismo

que em termos de cultura e humanismo
demonstra à evidência, com clareza,
como em esferas joga... a natureza!

JOÃO DE CASTRO NUNES

NOVA ATLÂNTIDA

 A “Atlantís” disponibilizou o seu número mais recente (em acesso aberto). Convidamos a navegar pelo sumário da revista para aceder à info...