sábado, 22 de março de 2008

Eldorado II

A propósito da discussão sobre o pagamento aos criadores, vale a pena ler este Op-ed do NYT: The Royalty Scam, de Billy Bragg.

Tenho mantido uma discussão com o Ludwig, tanto no blog dele como privadamente, sobre este tema. Compreendo melhor as suas ideias, mas não fui persuadido da beleza de uma economia em que as pessoas podem ouvir música, ler livros em PDF e usar software sem pagar directamente aos criadores uma parcela do seu trabalho. Penso que é muito importante explicar às pessoas por que razão devem pagar aos autores do freeware que usam, assim como aos músicos cuja música ouvem, etc. Ao contrário do que Ludwig argumenta, pagar uma parcela aos criadores directamente ou tão directamente quanto possível não é pagar a cópia -- e é nisto que se baseia todo o argumento dele. É pagar uma parcela do trabalho que deu fazer aquilo que depois é copiado tão facilmente.

Esclarecer o público é também importante para que se perceba as diferenças. Por exemplo, se eu pegar numa enciclopédia portuguesa com 90 anos, a digitalizar e a colocar online, não é preciso pagar aos autores originais da enciclopédia, nem faria sentido. Só é preciso pagar-me a mim pelo trabalho de digitalização. Mas se essa enciclopédia depois começa a usar o trabalho de outras pessoas, criadores que actualizam os artigos originais, então esses criadores devem ser pagos.

O que eu acabei de descrever é o que a Wikipédia fez. Mas as únicas pessoas que ganham dinheiro com a Wikipédia são os gestores e o director -- os autores dos artigos nada ganham. Porquê? Porque é gratuita. Sendo gratuita, não gera capital suficiente para pagar aos autores. Mas gera o suficiente para pagar ao director, secretária, advogado, programador, etc.

O mesmo acontece com a campanha Creative Commons. Esta campanha protege os criadores do quê, exactamente? De nada. Qualquer pessoa pode dar o que quiser, para isso não precisa de protecção legal. E as leis existentes já impedem o aproveitamento comercial do que as pessoas criam, sem o seu consentimento. O movimento Creative Commons não tem por objectivo proteger os criadores, mas antes espalhar uma mentalidade na Internet: a mentalidade de que é feio pedir dinheiro pelo trabalho criativo. Não é disto que precisam os criadores. O que os criadores precisam é de campanhas que sensibilizem as pessoas para que elas saibam a importância que é pagar aos criadores sempre que possível, e tão directamente quanto possível. Então para que serve a campanha Creative Commons? Bom, serve para haver algumas pessoas que vivem dos donativos que as pessoas enviam para a campanha. Mas essas pessoas não são os criadores.

O que precisamos é de uma campanha como o Fair Trade, mas para o mundo digital. Precisamos de dar discernimento às pessoas para que saibam que devem pagar todo o freeware que usam, pois só desse modo esses criadores poderão competir com as grandes companhias, como a Microsoft ou a Apple ou a Sun. Que precisam de pagar aos músicos e escritores tão directamente quanto possível, pois só assim poderemos ter criadores independentes. Que precisam de pagar as revistas e jornais online, pois só assim essas revistas e jornais podem manter-se independentes, sem ficarem reféns das grandes companhias que fazem publicidade e dos intermediários da publicidade, como o gigante Google.

Nada disto implica perseguir as pessoas com a polícia, ou proibir o "file sharing". Nada disto implica pagar tudo, incluindo shows de TV que foram feitos e pagos há 40 anos. Há muita coisa que já foi feita há anos, já foi paga e pode ser disponibilizada gratuitamente. Mas para podermos produzir agora coisas novas e de qualidade é preciso que se acabe com a mentalidade borlista que invadiu a Internet.

27 comentários:

tipuri disse...

Caro Desidério, vejo que eres antes de tudo um teimoso. É uma virtude, gosto de pessoas teimosas. Mas as vezes os teimosos ficam míopes, e parece aqui ser esse o caso.

Usas um artigo de um obscuro artista chamado Billy Bragg (que tive que procurar no wikipedia só pra confirmar que é mesmo um grande desconhecido) que escreveu numa corporação como o NYT, evidentemente com seus interesses também obscuros. É como defender a tese dos criacionistas usando um artigo escrito por um biólogo no jornal do vaticano... simplesmente não cola.

Mas interessado que estou em fazer-te ver a luz (não de forma pretenciosa, como platão no mito da caverna, mas sim no pedido da velhinha exótica no filme poltergeist::Venha para a luz, Carolyne!), queria tecer mais um comentário a respeito de sua teimosa teoria em defesa dos pobres criadores que não recebem seus tostões:

- Eles não precisam desse estímulo financeiro!!

Dizes assim quase no final do seu post: "...Mas para podermos produzir agora coisas novas e de qualidade é preciso que se acabe com a mentalidade ...". Colega: Os criadores não estãoe sperando essas definições ou mentalidades. Estão a criar todo o tempo! Dás a entender que para que você crie, estás a esperar que se resolva esse imbroglio. Vá em frente, Desidério: Crie! Não espere nada~Faça como os criadores: crie! Ao não fazê-lo, estás s';o de rabugento na história. E enquanto isso a humanidade ri, baixa as músicas, lê os livros, diverte-se.

Passeie por essa terra tão especial que é Ouro Preto e perceba a quantidade de oisas riadas por pessoas que não ganharam um tostão por criar. Mas nem por isso deixaram de fazer suas obras. Estão aí, a disposição da humanidade, para que as usufruamos. E isso.

grande abraço! e prometo avisar-lhe quando vá a ouro preto, assim desfrutaremos juntos das maravilhas dos criadores a disposição da humanidade!

marcelo

Anónimo disse...

Desde já os meus parabens por se ter dado ao trabalho de tentar perceber outros pontos de vista e formas de pensar em vez de ficar agarrado ao pensamento.

Feliz ou infelizmente, informo-o que que ainda tem muito que pensar, muito por onde abrir a sua mente.

Creative commons não é uma campanha, é uma empresa que presta um serviço que consiste na disponibilização de um leque de licensas com caracteristicas mais modernas do que as tradicionais que se baseiam em copyright e afins.

Fair trade não é um objectivo necessário pois está implicito no modelo defendido pelo ludwg. Nem é necessário impor modelos comerciais para assegurar rendimentos financeiros a ninguem. Não só não é necessário como é atrofiante.
Como diz o autor do anterior comentário: quem quer criar cria, é essa a essencia do processo criativo. Meter o dinheiro ao barulho dando-lhe demasiada importancia só resulta em pior qualidade do que quer que seja que é criado.
Quem quiser viver do que cria tem que arranjar forma de conseguir capitalizar de alguma forma o seu trabalho, seja dando concertos, sendo professor, vendendo peças, etc. Não é a sociedade que tem que à priori lhe providenciar capital, é o contrario.
Isto é tao obvio que tenho dificuldade em explicar.
Talvez outro dia esteja mais inspirado e consiga criar um comentario mais esclarecedor, de borla!

Anónimo disse...

"O que eu acabei de descrever é o que a Wikipédia fez. Mas as únicas pessoas que ganham dinheiro com a Wikipédia são os gestores e o director -- os autores dos artigos nada ganham. Porquê? Porque é gratuita. Sendo gratuita, não gera capital suficiente para pagar aos autores. Mas gera o suficiente para pagar ao director, secretária, advogado, programador, etc."

A demonização dos lucros é um péssimo argumento.
Os autores da wikipedia são voluntários e sabem à partida que não vão ver um tostão, e ainda assim, fazem-no, sem prejudicar ninguém, completamente livres e conscientes. Simplesmente as coisas funcionam.
Por muito que alguém contribua para a wikipedia, a quantidade de informação de que pode tirar partido é sempre muito maior.
Se algum capitalista lucra com isso, que o faça. E se alguém sente remorsos por isso, crie um concorrente para dividir os lucros.

Rolando Almeida disse...

Caro Marcelo,
Permita-me que o emende: pelo facto de desconhecer a obra de Billy Bragg não faz do músico um obscuro. Bragg de obscuro nada tem. É um conhecido músico inglês com boa projecção na década de 80 e tendo trabalhado já com músicos consagrados. O seu disco "Back to the basics" ficou muito conhecido principalmente pela canção "new england" que até mereceu versões muito populares de artistas em anos recentes. Provavelmente já esteve num bar a ouvir uma cerveja enquanto tocava o "new england" no original, simples e eficaz, ou então através de versões e nem se apercebeu do que ouvia. Billy Bragg pode dar-se ao luxo de viver da música e provavelmente quando escreveu o artigo citado estava a pensar na justiça de merado para novos talentos. Além do mais, posso estar a errar, admito, mas creio que se Billy Bragg fosse um autor obscuro mais reforçaria a tese que o Desidério defende. Então, pense lá porque raio o músico não consguia sair da obscuridade? É que, com a borlix, corremos mesmo um grande risco de deitar à obscuridade criadores verdadeiramente genuinos. Tá a topar?
Rolando Almeida

Carlos Medina Ribeiro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carlos Medina Ribeiro disse...

Como La Palisse não desdenharia garantir, «para realidades novas, soluções novas». E, tendo essa realidade nova muitos aspectos, também as soluções deverão ser variadas e - mais importante ainda - criativas.
Eu podia debitar aqui grandes opiniões, mas prefiro contar um facto bem concreto, passado comigo - aliás dois, bem semelhantes:

1-Durante muito tempo, nos finais dos anos 90, a «Net.News», "newsletter" do Centro Atlântico, publicou crónicas minhas. Como tiveram muitos leitores, a editora escolheu as que achou melhores e, em 1997, editou um livro intitulado «Crónicas da InforFobia». A edição consistiu em 3.000 exemplares em papel, que esgotaram, e numa versão em PDF (que começou por ser paga, a metade do preço, mas em breve passou a gratuita).

2-Mais tarde, a Dígito começou a publicar pequenas histórias acerca do mesmo assunto, em que o herói era um tal Eng.º Jeremias, personagem nascida no livro atrás referido.
Como também tinham muitos leitores, reuniram-se as melhores, reescreveram-se quase todas, organizaram-se em formato de e-book, e fez-se uma capa.
Em seguida, com uma boa divulgação, conseguiram-se cerca de 20.000 page-views. O passo seguinte foi editar o livro em papel, tendo eu pago metade da edição. O cartunista José Abrantes fez mais uma dúzia de desenhos, e a editora BaleiAzul produziu 3.000 exemplares, que também esgotaram rapidamente, apesar de haver, ao mesmo tempo, uma edição gratuita, em PDF, disponibilizada no site da FCCN.
--
Onde eu queria chegar era ao seguinte: em ambos os casos, os livros estavam (e ainda estão) disponíveis gratuitamente na Internet (*). No entanto, mesmo muitas das pessoas que os liam na Web acabavam por comprar as versões em papel.
--
(*) [aqui], [aqui] e [aqui], e quase todos têm, logo no início, a indicação de que podem ser copiados à vontade... o que até se agradece.

tipuri disse...

Billy Bragg que não nos leia, mas fui ouvi-lo no songza e procurei newengland. Sim, existem diversas versões. E não, nunca ouvi essa música, nem em bar, a não que ser que bebado estivesse. E reafirmo: um sujeito que fez relativo sucesso na década de sucesso tem pouca chance de perceber o que está a acontecer neste novo milênio.Mas azar o dele, não é?

Para mudar o tema e não ficar parecendo que tenho uma birra com o querido Bragg, passo o link de um lugar onde disponibilizo artigos de outros. Os dois ultimos falam sobre o tema da tal gratuidade, um pela wired, o outro nem cita internet, fala da natureza, algo como "sabias que a vida é gratis?" :P

eis o link:
http://www.google.com.br/reader/shared/03714608126827296687

abs,

me

Anónimo disse...

O mercado é que manda e o mercado simplesmente não está disposto a pagar o pedido pelos (conteúdos) pdf ou mp3. O mercado está disposto a pagar pelos conteúdos dos mesmos livros em papel e por concertos.

Tentar combater isto é uma perca de tempo e energia de quem não vê o óbvio.

cumpts

Desidério Murcho disse...

Caros leitores

Obrigado a todos pelos comentários.

Parece-me que as pessoas não estão a ver são as consequências negativas do modelo que propõem. É por isso que acabei por perceber que estamos a tratar de uma espécie de crença religiosa. Seja o que for que se diga, é-se logo acusado de qualquer coisa desagradável.

Raramente ou nunca se inventou um modelo económico ou social ou político que fosse perfeito. Seria muito estranho que o download gratuito fosse uma excepção. Ora, há muitos casos que mostram que o sistema de download gratuito tem muitas consequências desastrosas. Não se trata sequer de lutar contra o download gratuito, mas de tentar limitar os estragos.

Por exemplo, quem anda na Internet desde antes da WWW, como eu, sabe que uma coisa mudou radicalmente: a presença da publicidade. E porquê? Porque sem publicidade não é viável ter coisas como o New York Times. Este é o resultado da mentalidade que impera na Internet que faz as pessoas não querer pagar: mais publicidade. Na verdade, já vimos isto antes, o modelo da gratuitidade não é novo: é a TV aberta. E o que é a TV aberta: mero veículo de publicidade, pois é a publicidade que paga tudo. Daí a TV aberta ser o nojo que é: serve unicamente as grandes companhias que dominam a publicidade. E isto está acontecer cada vez mais na Internet, e é pena. Era bom haver jornalismo genuinamente independente, revistas genuinamente independentes, que pudessem viver das subscrições online, e sem publicidade. Mas isso não existe, ou quase não existe. Seria bom também que no software houvesse alternativas viáveis às grandes companhias; mas isso não é possível porque as pessoas que fazem o melhor software têm de o dar de graça. O que significa que o fazem só para depois serem contratados pelas grandes companhias. Seria bom que eles pudessem viver do software que criam.

O outro resultado é a exploração do trabalho amador, como na Wikipédia. Sim, as pessoas são voluntárias, tal e qual como nos disparates do Linux. Mas o voluntário tem muitas nuances, e em muitas delas pode ser um voluntariado por falta de alternativas. E isto é precisamente o que acontece.

Finalmente, repare-se no uso que o Carlos Medina deu à Internet: exactamente o mesmo uso que se dá à TV aberta. Serve apenas de publicidade para as pessoas depois irem comprar outra coisa qualquer. Isto é mau. É uma desvalorização do produto digital do trabalho. Na verdade, as pessoas estão dispostas a comprar um livro em papel porque não têm alternativas para os ter de graça. Mas haverá um dia em que um empresário pensará assim: “bom, temos as revistas e os jornais e a TV e a Internet toda cheia de publicidade… por que não pôr publicidade nos livros?” E quando um empresário fizer isto e distribuir os livros de graça, pagos pela publicidade, as pessoas vão preferir esses livros de graça e cheios de publicidade aos livros sem publicidade que temos hoje.

Sabem qual é a verdadeira tristeza disto tudo? É que com a Internet a publicidade proactiva deixa de ser necessária; a passiva seria suficiente. Isto é, uma empresa não precisaria de mais do que abrir um site e dar informações nele sobre o seu produto. Quem estiver à procura daqueles produtos procura e encontra, coisa que não podíamos fazer na TV, na rádio, nos jornais. Poderíamos ter um mundo sem as mentiras e as idiotices da publicidade, ou pelo menos com muito menos publicidade. A publicidade tem um efeito deletério porque é proactiva: cria necessidades nas pessoas, em vez de responder às suas necessidades. É por isso que se fala hoje em dia na sociedade do consumo: o consumo é motivado artificialmente nas pessoas através da publicidade. E a mentalidade da gratuitidade digital está a levar a sociedade do consumo cada vez mais longe, nomeadamente para a Internet, onde ela inicialmente não estava.

Anónimo disse...

Off Topic

"...tal e qual como nos disparates do Linux."

:)

É precisamente por ser desenvolvido como é que dentro de uns anos será o sistema usado pela maioria das pessoas!

Como é que o Desidério (cujas opiniões respeito e valorizo) não entende isso? Só o marketing agressivo da Microsoft e Apple e o "casamento" destas com a Intel e com os pricipais fabricantes de pcs está a atrasar o inevitável. Cada vez mais o Linux tem o que as pessoas precisam e apenas o que as pessoas precisam e querem, é mais rápido, mais fiável, mais leve, mais transparente (no código e no que realmente se passa a nive de tratamento de informação), mais barato e até mais rápido nos upgrades e correcção de erros. A maior parte das novas interfaces até são mais intuitivas e mais produtivas que os sistemas pagos e claro que tem o factor de ser grátis ou muito barato. Muitas editoras de software já entenderam isso e hoje já consgue jogar quase tudo nesse sistema bem como usar práticamente qualquer aplicação que usa no seu sistema actual. Cada vez existe menos razões para se gastar 300 euros num windows ou 120 num mac os x!

E porque é que tem apenas o que as pessoas precisam? E porque está, em termos técnicos, de usabilidade e produtividade a ultrapassar os sistemas pagos? Ring a Bell? Não vai isto contra os argumentos que colocou no comentário anterior?

(Sei que muitas pessoas fora do meio acham estes factos muito pouco crediveis mas antes de responderem vão estudar um pouco o tema para perceberem a realidade deste meio em 2008)

Cumpts

Carlos Medina Ribeiro disse...

«...repare-se no uso que o Carlos Medina deu à Internet: exactamente o mesmo uso que se dá à TV aberta. Serve apenas de publicidade para as pessoas depois irem comprar outra coisa qualquer».

Não, meu caro.
No caso das «Crónicas da InforFobia», as pessoas puderam comprar a versão em papel (1500$) ou a PDF (750$). A partir de certa altura, a segunda passou a ser oferecida.
Se o autor e o editor entenderam fazê-lo, qual o problema?

No 2.º caso, o livro chama-se «Operação JEREMIAS».
Foi pelo facto de ter tido 20.000 leitores em formato digital que se decidiu avançar com a versão em papel. Mais cuidada, mais ilustrada. Há as duas, uma gratuita e uma paga.
Se o autor e o editor entenderam fazê-lo, qual o problema?

-

Em ambos os casos, há um problema adicional:

As edições em papel esgotaram e não vai haver mais. A BaleiAzul, inclusivamente, até já não existe há alguns anos.
Assim sendo, a única forma de o livro ser lido é em formato digital.
Dir-se-á que poderia ser pago. Mas não é.
Os leitores que gostam das histórias compram os livros seguintes («Jeremias, Consultor» e «Jeremias dá uma mãozinha»), em papel, que ainda se conseguem encontrar à venda.

-

Houve ainda um outro livro:
«Jeremias e as incríveis consultas do Dr. Reboredo». Foi publicado em 6 fascículos na revista Cyber-Gui@, e pagaram-mo.
Depois, como nunca se fez um livro com ele, disponibilizou-se na Web gratuitamente.
Se o autor e o editor entenderam fazê-lo, qual o problema?

-

Finalmente: em todos os casos, o meu trabalho foi pago, e mesmo aquele em que investi do meu bolso deu lucro. Onde é que está o problema?!

Carlos Medina Ribeiro disse...

Retomo a frase (que me irritou, por ser profundamente injusta e completamente despropositada): «...repare-se no uso que o Carlos Medina deu à Internet: exactamente o mesmo uso que se dá à TV aberta. Serve apenas de publicidade para as pessoas depois irem comprar outra coisa qualquer», e acrescento o seguinte:

--

Na maioria dos casos em que o mesmo conteúdo é disponibilizado nas duas formas, é normal oferecer a versão digital e vender a versão em papel - como fazem quase todos os jornais.

Ora, se eu a as minhas editoras entenderam seguir o mesmo modelo de negócio (oferecendo as versões digitais e vendendo as versões em papel - com a agravante de 4 dos 5 livros já não virem a ser reeditados), pergunto novamente: qual é o problema?

Ou, colocando a questão de forma mais crua: o que é que alguém tem a ver com isso?!
.

Desidério Murcho disse...

Caríssimo Carlos

Mil desculpas por o ter irritado! Eu não acho que tenha feito algo de errado, nem pensar nisso! Acho que fez muitíssimo bem e fico feliz pelo sucesso que teve.

Só que lamento uma coisa: foi praticamente forçado a fazer isso pela mentalidade que se gerou na Internet. A Internet serve para puxar coisas de graça. Depois vamos a outro lado comprar coisas reais. É contra esta mentalidade que me insurjo, e não contra um criador que quer fazer o que você fez. Repito: acho que fez muitíssimo bem e fico feliz com o seu sucesso. E peço desculpas por o ter irritado. Mas o que me irrita é que se você tivesse apenas 1500 leitores e pusesse o livro em PDF no seu site e pedisse 5 euros por ele, ou menos, a maior parte deles não o pagaria se pudesse puxá-lo de graça de outro lado qualquer. O que significa que você está a ser obrigado a fazer como fez; não é uma opção sua — é assim que o mercado funciona.

Desidério Murcho disse...

Quanto ao Linux: eu testei o Linux em vários sabores e sei muito bem a treta que é. Duvido que seja melhor do que o Windows em geral e não é verdade que é mais rápido. É mais lento. Mas isso é irrelevante.

O que as pessoas não compreendem é que a maior ameaça para a Microsoft seria se o Linux não fosse um disparate oferecido de borla, mas sim algo profissionalmente desenvolvido por profissionais pagos para isso. Porque nesse caso seria muitíssimo melhor porque teria muitíssimos mais recursos técnicos — e mais recursos publicitários. Enquanto o Linux for o que é não ameaça as grandes companhias: é uma coisa de nerds como nós. A maior parte das pessoas nunca ouviu falar disso nem vai ouvir nunca falar disso. É por isso que existe há anos e há anos que os seus evangelistas dizem que é uma maravilha e mesmo assim nem de borla as pessoas o querem. Nem sabem que existe.

A maior falácia em que os evangelistas do software livre caíram foi precisamente não terem percebido que o modelo de software livre só favorece as grandes companhias. É por isso que a Adobe é o que é, apesar de haver alternativas — mas como quase ninguém paga as alternativas, as alternativas não conseguem fazer-lhes frente.

Pensemos no seguinte. Eu sou um engenheiro de software e faço um browser fantástico. Genuinamente melhor do que o IE, e não a palhaçada do Firefox. Como o Opera, por exemplo, que é muitíssimo melhor mas os evangelistas do Firefox nunca falam dele porque até há pouco tempo não era de borla. Ora bem, eu faço esse software e é um sucesso: 50 mil downloads por semana. 60% de pessoas que experimentam, usam. Isto afecta a Microsoft como? De maneira nenhuma. A menos que esses milhares de pessoas me paguem, para eu fazer uma pequena empresa criativa e eficaz, para eu conseguir intervir no mercado com publicidade, para eu conseguir ter uma voz, eu não sou uma ameaça para a Microsoft. Na verdade, eles acabam por me contratar e qualquer dinheiro que me ofereçam é melhor do que trabalhar de borla. Mas se eu tiver um espírito independente e puder viver disso, não há Microsoft que me consiga contratar.

É isto que os evangelistas do Linux etc. não conseguem ver. São vítimas da própria mentalidade do “puxa de graça” que eles mesmos criaram. E a Apple, a Microsoft, o Google, a Adobe, o Yahoo, riem-se à gargalhada disto. Porque no mundo do “puxa de graça” ganha-se dinheiro apenas com publicidade — e quem já atinge milhões de pessoas e tem milhões de dólares é inamovível.

Anónimo disse...

Caro Desidério, fica aqui minha última mensagem e meu abraço (definitivamente não concordaremos, por isso a despedida):

- Se de fato acreditas que Microsoft é melhor do que Linux, estamos definitivamente em dois mundos diferentes.

- Se colocas em um mesmo grupo empresas como Google e Microsoft, é porque não entendeste realmente nada do que está acontecendo. Estamos em dois paradigmas diferentes.

- Se falas de "mercado" como uma coisa que sempre aconteceu e sempre acontecerá, assim como a publicidade ou a tv aberta, é porque achas o deus mercado um totem, um dogma. Então estamos realmente em dois tempos diferentes.

Com isso concluo que: Vivendo em um mundo, um paradigma e um tempo diferente do meu, deves achar que falo grego. Então é uma pena.

Um grande abraço e boa sorte nesse mundo tristinho que vives. Ou, mais esperançoso, quando chegar seu tempo, quando perceberes a mudança de paradigma: "venha para a luz, carolyne!"

:P

marcelo estraviz

Carlos Medina Ribeiro disse...

Caro Desidério Murcho,

Não se preocupe; nos blogues, a gente, às vezes, irrita-se com facilidade e a despropósito.

Muitas vezes, o que sucede é que os comentários não acertam no alvo e têm um amargo sabor a injustiça. Foi o que senti.

_

Oferecer uma amostra de um produto (livro em formato digital) e vender o produto própriamente dito (livro em papel), é tão velho como o comércio.
Alguma vez alguém lamenta os laboratórios médicos por o fazerem - e desde sempre?
Alguém lamenta as revistas que o fazem?
Quantos livros não oferecem hoje capítulos inteiros?

Não há que lamentar nem deixar de lamentar. É todo um novo paradigma de negócio que o mundo digital abriu e que não se fechará.

Com os meus 5 livros em papel ganhei umas boas centenas de contos (que bem me souberam...); e continuo a ter inúmeros leitores nas versões digitais, dos quais muitos comprarão o próximo livro, quando ele sair (e comprariam os antigos, se não estivessem esgotados).

Abraço

CMR

Anónimo disse...

Quem lhe bateu, caro Desidério? Quem foi o malvado que atentou contra as nossas sagradas estruturas de recompensação e lhe fez mal? Porque só assim se compreende uma exposição tão vitriólica e cega, que peca por uma flagrante falta de informação quanto a sua. Diga-nos o nome, diga lá, por favor.

Já agora pode anotar que a maior parte desses horríveis programadores do Linux (aqueles que contribuem mais regularmente) até são pagos para fazer o que fazem. Oh, desgraça, e por uns evangelistas cegos e horríveis à frente de empresas fachada como a Intel, IBM, Sun, Novell... ai os malandros!

João Vasco disse...

Desidério, vou repetir algo que já tinha escrito no "que treta!" quando abordou este mesmo assunto:

«Por exemplo: não devem pagar à Wikipedia, pois é um negócio americano típico, que serve para explorar papalvos e o dinheiro que lhes damos só paga advogados e executivos — não paga a criadores.»

Disto não podia discordar mais. A wikipedia não serve para explorar papalvos: serve para facilitar o acesso à informação, e nenhuma encicolpédia alguma vez concretizou esse objectivo com tanto sucesso como a wikipedia.
Não é um negócio americano típico, porque se o objectivo fosse o lucro, à muito que as páginas teriam publicidade, que eles ganhariam um balúrdio. Ainda bem que assim não é.
O dinheiro que damos serve também para pagar os servidores e toda a manutenção do muito equipamento que eles têm - a qual já esteve em risco devido ao sub-financiamento.
Por fim, acho muito bem que os advogados e executivos da wikipedia sejam pagos, se eles estão a prestar um serviço tão válido: a criar uma plataforma que aproxima quem quer ensinar e quem quer aprender, com uma enorme eficiência.
Eu sei que a versão portuguesa da wikipedia é um nojo, cheia de gralhas patetas, erros grosseiros, e muito incompleta (falta de massa crítica de participantes).
Mas a wikipedia em inglês é uma fonte de informação mais fidedigna que a maioria dos documentários ou notícias sobre ciência; mais actualizada e completa que outras enciclopédias em papel que tenho visto - que estão bem longe de ser gratuitas..

Desde que tive internet sempre me lamentei que a informação, apesar de muito abundante, estivesse tão desorganizada e incerta. A wikipedia mudou isso: hoje é possível usar a internet para aprender bastante sobre tantos assuntos diferentes graças a essa plataforma. Por isso acho mesmo injusto chamar fraudolento ao serviço que é prestado por aqueles que mantêm esta plataforma. E "papalvos" aos que o financiam.

Anónimo disse...

Japão quer barrar downloads p2p.

Infracção de patentes.

Jornais de Portugal e Espanha unidos contra o Google.

Marca de guitarras Gibson processa Guitar Hero.

E este...

E mais este.

Desidério Murcho disse...

Caro João Vasco

Obrigado pela objecção. Mas está a ver as coisas mal. A única razão pela qual a Wikipédia não tem publicidade é porque se tivesse já não faria sentido não pagar aos criadores. Claro que para os donos da Wikipédia é totalmente irrelevante que quem escreve não receba; eles não escrevem de qualquer modo e recebem.

É assim que funciona e economia digital, João. Eu abro um site social de partilha de música independente, por exemplo. Para funcionar, tem de ser gratuito senão as pessoas não vão lá. Depois de eu ter 3 milhões de subscritores, eu vou ganhar muito dinheiro, mas os músicos que lá puseram as músicas não ganham. Como é que eu ganho? Ou começo a pôr publicidade no site, ou vendo o site a um gigante que quer o site para depois poder ganhar dinheiro com a publicidade. Ou então peço uma pequena subscrição para uns serviços adicionais. Em qualquer desses casos eu faço dinheiro, mas os músicos, não. Para eles, músicos, o site é como a TV: vão lá para fazer publicidade a si mesmos na esperança depois de… assinar um contrato com uma editora tradicional, pois só esses lhes dão dinheiro. Nem eu nem o Bebo nem nada desse género lhes dá dinheiro — nem os fãs, directamente.

O mesmo acontece com uma enciclopédia. Como é que eu ganho dinheiro com uma enciclopédia? Tenho de atrair malta que escreva de borla, e por isso canto uma cantiga sobre o acesso livre à informação. E depois digo: se não me pagarem a mim, isto fecha. E então as pessoas pagam-me — mas nunca aos autores dos artigos. Porque o sistema foi concebido desde o início para pagar apenas aos “capitalistas”, para usar esta terminologia ultrapassada, mas não aos criadores. É o engodo do século.

Anónimo disse...

Caro Desidério

Gostaria de o ver, enquanto filósofo, dirigir palavra directamente ao exposto no livro do Lessig sobre os Creative Commons. Acho que seria enriquecedor (como as suas reflexões sobre o acordo ortográfico) e não contaminaria o seu discurso com tiradas contra a "porcarida do Linux" e do "esquema da wikipédia". Depois, gostaria também que me disses-se se só é possível criar num ambiente com recompensa financeira directa. Porque me parece que é isso que advoga. É certo que há muita gente que se aproveita disto. Já me contaram do tratamento VIP que o Sr. Lessig exige para falar com conferências e palestras. Mas também vejo que há outras questões profundas a resolver e que o Desidério podia dar um contributo. Especialmente porque se corre o risco de deitar a água e o miúdo fora.

cmps,

Desidério Murcho disse...

Kyriu, eu não defendo de modo algum que tudo tem de ser pago directamente na nossa vida online. Defendo o oposto: que é um erro que nada seja pago directamente na nossa vida online. Vejamos um caso simples:
http://www.arachnoid.com/arachnophilia/index.html

O Lutus oferece o seu famoso programa de graça. Acho óptimo e não quero impedir tal coisa. Ele pode fazer isso porque é rico: trabalhou primeiro na Nasa, depois para a Apple e hoje vive dos rendimentos, passeia-se à volta do mundo, escreve livros virtuais que oferece de graça às pessoas. Acho óptimo!

Mas isto só é possível, Kyriu, porque ele pode viver dos rendimentos que acumulou trabalhando para grandes companhias. De outro modo como poderia ele viver?

O que eu contesto é precisamente que não se veja as diferenças. Que não se queira pagar a NENHUM criador de software, tenha ele ou não outros modos de ganhar a vida e peça ele ou não dinheiro. Vais ao site do Izarc. O tipo é simpático e oferece aquilo de graça. Pede um donativo, se as pessoas quiserem. Mas quase ninguém paga. E ele enche o site de publicidade — pelo menos assim paga o servidor. Mas ao fazer isto está a encher os bolsos do Google e está a encher o mundo de mais publicidade. Se pelo menos 50% das pessoas que usam o software dele lhe dessem voluntariamente um donativo de 10 euros, que é pouco para uma coisa que usamos durante anos, o homem poderia desenvolver melhor o seu software; talvez se sentisse estimulado a escreve mais aplicações; eventualmente poderia dedicar-se só a isso, e despedir-se de seja o que for que neste momento ele faz.

Mas nada disto é possível. Por causa da mentalidade que faz as pessoas não querer pagar o software.

Portanto: acho muito bem que não se pague quando o próprio criador nada nos pede. Mas se o criador nos pede um donativo, devemos pagar. É só isto que defendo. E tanto faz se é Open Source ou não.

João Vasco disse...

Caro Desidério:

Se com publicidade os gestores da wikipedia seriam obrigados a pagar aos criadores, porque é que com donativos não são?

Eu creio que ninguém seria obrigado a pagar aos contribuidores, porque nem sequer é possível avaliar o trabalho de um contribuidor.
Eu posso ir lá, escrever uma série de disparates, e depois ir à minha vida. Na wikipedia anglo-saxónica, em que existe massa crítica de participantes, posso estar descansado, sabendo que brevemente os meus disparates serão corrigidos. Mas que raio de critério poderia ser usado para pagar a uns mais do que a outros? Como medir a qualidade de cada contribuição, mais ainda quando elas são tão díspares?

Mas pior que tudo, não creio que fizesse sentido pagar. Aqui é mesmo uma questão de mercado, de oferta e procura. Se milhares e milhares de pessoas estão dispostas a oferecer gratuitamente o seu trabalho, e se o seu trabalho conjunto é tão ou mais eficiente que o dos profissionais (dependendo do critério), não vejo o que é que existe de errado em aceitar esta oferta.
Quem contribui gratuitamente recebe em troca a satisfação de estar a contribuir para tornar o conhecimento mais acessível, e isso é-lhe suficiente. Porque a contribuição pode ser pequena, esporádica, porque não existe qualquer obrigação da sua parte; mas porque no conjunto as contribuições são valiosas.

Já quem gere e mantém a plataforma, merece ser pago, pois é impossível manter tal plataforma sem fundos.


Tomemos o caso do banco alimentar. Eles recebem dinheiro de muitas pessoas que contribuiem para o seu funcionamento, e ainda recebem comida gratuita fundamentalmente das sobras da indústria alimentar. Claro que a indústria alimentar poderia deitar essas sobras fora; e só teria a ganhar a com isso - os industriais não recebem nada por contribuir. Todo o dinheiro que o banco alimentar recebe dos donativos vai para alimentar a gestão e a logística - será que não deveriam também pagar alguma coisa a quem lhes dá alimentos gratuitamente? Nem que fosse pouco?
Não, por duas razões: a primeira é que os donativos mal chegam para a gestão e logística, pelo que pagsar a quem contribui com comida tornaria uma boa iniciativa inviável. A segunda é que se a indústria já dá gratuitamente, não faz sentido estar a pagar-lhes.

A wilipedia tem os problemas análogos, com mais o terceiro problema de nem sequer existir critério decente e implementável para pagar a cada contribuidor consoante o seu contributo.

Por fim: se eu acreditasse que a malta da wikipedia está a receber muito mais do que aquilo que merece, então eu daria toda a razão ao Ludwig - o copyright é um disparate. Isso queria dizer que as pessoas não subvalorizam os serviços que recebem gratuitamente, e que portanto o modelo que ele propõe seria viável.
Eu não acredito nisso, acho que as pessoas evitam pagar quando não têm de o fazer, e é por isso que não acredito na viabilidade do modelo que ele propõe, pelo menos sem a arte sofrer bastante. Mas é precisamente essa descrença que me faz considerar bastante plausíveis as alegações da malta da wikipedia há uns anos atrás "estamos a considerar fechar a wikipedia. Gostamos muito disto, mas mal recebemos dinheiro para manter os servidores a funcionar".

Desidério Murcho disse...

Caro João

Obrigado pelo comentário. O meu problema com a Wikipédia é que este é apenas um exemplo de um dos dois *únicos* tipos de coisa que é possível fazer por causa da mentalidade que faz as pessoas não pagar voluntariamente. Ou fazemos um sistema como a Wikipédia, sem publicidade, mas então as pessoas não são pagas, excepto os chefes; ou se paga a toda a gente mas enche-se tudo de publicidade. A Britannica está a estudar a maneira de se pôr toda gratuita na Net; um editor alemão acaba de anunciar que vai pôr a sua enciclopédia toda online gratuitamente; o famoso Rogets thesaurus há anos que está online gratuitamente. Todas estas publicações são financiadas pela publicidade apenas porque as pessoas não pagam directamente (pagam indirectamente comprando produtos mais caros, claro, e submetendo-se a um mundo de mentira institucionalizada que é a publicidade).

É precisamente como diz: as pessoas, podendo não pagar, não pagam. E nada tem a ver com saber se o pagamento é voluntário, se o copyright existe ou se é Open Source. As pessoas nem sabem o que são essas coisas, nem querem saber. Apenas não querem pagar e querem ter sem pagar. Nada mais. O que, diga-se de passagem, está longe de ser surpreendente. Ora, porque o comportamento económico das pessoas é este, na internet tem de se viver da publicidade. Não há outra maneira de se sustentar os jornais, uma enciclopédia cujos autores sejam pagos, o Firefox, etc. Mas isto tem estas consequências:

1) Brutal concentração de capitais em empresas que vivem da publicidade, como o Google;

2) massificação das publicações porque quando se vive da publicidade o que conta é a quantidade bruta de pessoas que se atinge;

3) impossibilidade de ter pequenas publicações independentes dos grandes capitais, directamente financiados pelos seus leitores;

4) impossibilidade de ter jornalismo independente, mesmo que se trate de grandes jornais como o New York Times, porque fica totalmente dependente da publicidade como fonte de receita.

Tudo o que estou a defender é que se devia alertar as pessoas para as consequências que a ideia de nada pagar na internet tem. Que se as pessoas discriminassem cuidadosamente o que devem e o que não vale a pena pagar, as coisas seriam melhores, haveria mais criadores independentes dos grandes capitais, o Google teria menos poder, e teríamos uma internet em geral com menos treta.

No que respeita à Wikipédia, eis o mais irónico: compreendo o que fazem os advogados daquilo, o programador e a secretária. Mas o que faz exactamente o chefe? Se não programa, e não programa; se não escreve, e não escreve; se não dá apoio aos utilizadores, e não dá esse apoio; dado que o sistema foi feito para ser grandemente automático e controlado por editores com mais poderes, o que raio faz ele e por que razão recebe dinheiro? A razão é simples. Ele recebe dinheiro sem fazer nada porque teve uma ideia, e agora vive dos rendimentos. Ele não precisa de publicidade porque não precisa de mais dinheiro do que o que já tem. Com mais facilidade ele fecha o servidor do que deixa ele de receber o ordenado mensal dele. E com razão. É um profissional daquilo. Mas é assim que se vê a distorção deste modelo. Você pode fazer a mesma coisa: abre um site de partilha de músicas, ninguém paga nada, faz dinheiro da publicidade ou de donativos voluntários e basicamente ganha dinheiro de uma ideia. Mas os músicos que metem a música no seu site à procura de publicidade não ganham cheta.

João Vasco disse...

Desidério:

Estou a ver que aquilo em que concordamos ultrapassa a nossa divergência com o Ludwig: também acredito que a publicidade é o negócio da mentira.

Posto isto discordo de alguns pontos:

«quando se vive da publicidade o que conta é a quantidade bruta de pessoas que se atinge»

É um detalhe, mas é falso.
Não importa atingir muita gente, mas quanto dinheiro se pode ganhar com elas. Se for um produto caro, não interessa atingir público sem poder de compra; se for um brinquedo, importa atingir as crianças e os seus pais; se for um bem cultural, importa atingir quem preze a cultura, (ou queira gastar dinheiro nessa área por outra razão qualquer), etc...

Quanto ao director da wikipedia, imagino que, como todos os directores, dirija. A wikipedia é uma plataforma que tem um tamanho tal que imagino que deva ser muito difícil de dirigir. E tem-no sido com bastante sucesso. Não verifiquei quanto ganha, mas assumo que não seja disparatado face à responsabilidade e ao trabalho envolvido. Estarei enganado?

Por fim: mesmo que tenda a discordar da "mentalidade borlista" quando isso é feito à revelia da vontade dos autores, continuo a achar louvável a iniciativa da wikipedia. Oferecer o seu trabalho para que outros tenham acesso gratuito ao conhecimento parece-me algo bastante positivo, e por isso fico feliz que no meio de tanto egoísmo uma iniciativa como a wikipedia tenha funcionado tão bem.

Desidério Murcho disse...

Caro João

Obrigado pelas correcções! Contudo, no que respeita à publicidade, o que conta do ponto de vista do “publisher”, como o Google chama a quem produz conteúdos que eles usam para depois poderem ganhar dinheiro com a publicidade, é a quantidade bruta de pessoas que atinges; depois, ao publicista da companhia X interessa saber se entre as pessoas que o publisher atinge há uma elevada percentagem de pessoas com interesse potencial num produto do seu cliente. Mas para o publisher a quantidade bruta de pessoas é o que faz a diferença. Isto já acontece com os jornais em papel e é por isso que a maior parte dos jornais estão cheios de lixo mundano — é uma maneira de ter mais leitores, para assim venderem mais publicidade.

Quanto à Wikipédia, a minha queixa é só esta: para se poder fazer essa coisa maravilhosa que é dar uma enciclopédia gratuita a todos os falantes de inglês, faz-se simultaneamente outra coisa: cria-se uma estrutura económica em que quem produz os conteúdos não ganha dinheiro, mas apenas quem organiza o site. Parece-me incoerente aplaudir isto e ao mesmo tempo condenar os grandes editores capitalistas de música ou cinema. É que neste último caso os criadores são todos pagos e alguns são tão bem pagos que ficam ricos, como é o caso do Radiohead.

A Wikipédia, contudo, poderia ser muito diferente se não fosse a mentalidade do gratuito que há na internet. Se cada pessoa que a usa regularmente pagasse uma subscrição de 1 euro por mês, por exemplo, já haveria dinheiro para pagar aos criadores, que assim poderiam fazer um trabalho de qualidade. Quando queremos pôr algo gratuitamente na Internet, só há duas hipóteses: ou o criador não é pago, ou enchemos o site de publicidade. E isto não teria de ser assim se as pessoas pagassem directamente.

Finalmente, deixa-me só fazer mais um comentário. Repara que a Wikipédia funciona bem… mas só em inglês. Em português, é uma fantasia sem sentido. Porquê? Uma vez mais, porque o que conta é o número bruto de pessoas de uma dada cultura. Como a língua inglesa e a cultura americana tem um mercado de milhões de pessoas todas sintonizadas na mesma onda, há sempre alguns dispostos a escrever umas coisas ao fim de semana, com as mais diversas motivações. Basta que tenhas menos falantes sintonizados na mesma onda e isso já não funciona porque, como é óbvio, a maior parte das pessoas habilitadas a escrever com conhecimento de causa sobre o que quer que seja não estão dispostas a perder horas para distribuir gratuitamente o seu conhecimento, que lhes custou muito caro, ao mesmo tempo que tornam possível que alguém viva profissionalmente do trabalho que eles oferecem.

João Vasco disse...

Desidério:

«Mas para o publisher a quantidade bruta de pessoas é o que faz a diferença.»
Ok


«Parece-me incoerente aplaudir isto e ao mesmo tempo condenar os grandes editores capitalistas de música ou cinema.»

Acho que quem aplaude isso e condena os grandes editores capitalistas o faz porque estes ficam donos da obra criada - fazerem, alegadamernte de forma ilegítima - muito dinheiro com isso à custa dos criadores é apenas uma consequência disto. Mas isso não acontece na wikipedia em que ninguém fica dono do texto criado.

Mas deixa-me dizer-te que tendo a discordar da alegação. Já estive a discuti-la bastante com o Ludwig, e acho que o mercado não funciona assim tão mal na questão da edição.

Há, claro, as distorções causadas pela publicidade (parece que nisto concordamos os três); mas fora isso acredito que existe suficiente concorrência.

Ou seja, se os editores estivessem a pagar aos criadores um valor que fosse baixo em demasia, existiria um bom incentivo económico para criar uma nova editora que, pagando mais aos criadores, roubaria mercado às editoras antigas.

Por essa razão, creio que a alegação do Ludwig das editoras serem um bando de malvados não é verdade em geral. Se fosse, era ver se alguém me emprestava dinheiro para entrar nesse mercado.

De qualquer forma, quer se critique muito duramente as editoras (como o Ludwig), quer não, continua a não ser incoerente aplaudir o projecto que é a wikipedia.


«Se cada pessoa que a usa regularmente pagasse uma subscrição de 1 euro por mês, por exemplo, já haveria dinheiro para pagar aos criadores»

Não vejo nada de condenável num negócio desse tipo.
Mas não vejo nada de condenável no negócio dos restaurantes, mesmo que aplauda a iniciativa que foi o banco alimentar.
Mesmo sabendo que quem dirige essa iniciativa não paga nada aos fornecedores de comida, ao contrário do que acontece com os restaurantes.

«Como a língua inglesa e a cultura americana tem um mercado de milhões de pessoas todas sintonizadas na mesma onda, há sempre alguns dispostos a escrever umas coisas ao fim de semana, com as mais diversas motivações.»

Não só as não sei quantas que falam inglês como língua materna, como todas as outras que conhecem o inglês.


«Basta que tenhas menos falantes sintonizados na mesma onda e isso já não funciona»

Falta massa crítica.
Claro que é complicado dar a quem não se conhece sem receber nada em troca, e a wikipedia para funcionar precisa de "dádivas" elevadas em trabalho.
Abaixo de um certo nível, os erros são tantos e tão grosseiros que mesmo quem puderia dar se sente desmotivado pois sente que o seu trabalho seria inútil.
Por isso, não discordo da explicação dada. Mas não creio que ela justifique a crítica a um projecto que funciona como a wikipedia em inglês.

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