quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Ano Internacional da Rã

A Associação Mundial de Zoos e Aquários (WAZA) declarou 2008 como o Ano Internacional da Rã no 62.º congresso internacional que decorreu em finais de Agosto em Budapeste, Hungria. Um pouco antes, o 3º Congresso Brasileiro de Herpetologia, que decorreu em Belém do Pará, tinha chegado às mesmas conclusões da Waza que motivaram a declaração. De facto, há anos que a comunidade científica alerta para a necessidade da implementação de medidas urgentes para evitar a extinção dos anfíbios, dos quais cerca de um terço estava ameaçada em 2006. Gordon McGregor Reid, presidente da Waza, considera que esta situação «pode ser comparada à extinção que dizimou os dinossauros do planeta».

A palavra «anfíbio» vem do grego amphíbios, «duas vidas» e refere espécies que apresentam na sua maioria ciclos de vida em duas fases, com uma forma aquática (em água doce) e uma forma que vive na terra. Apesar de de serem inofensivos para os seres humanos, todos os anfíbios possuem glândulas espalhadas na pele que podem produzir secreções tóxicas ou alucinogénicas - como é exemplo do sapo cururu -, que podem ter aplicações importantes em farmacologia.

Os mitos e superstições que rodeiam estas espécies têm contribuído para o seu desaparecimento e para o facto de que pouco se fala na sua extinção e declínio - são francamente menos atraentes e «vendáveis» para o grande público que baleias, pandas ou linces. Embora o consumo humano (nalguns locais do Globo) de algumas «delícias» gastronómicas não contribua para a sua preservação - só em França, cerca de 80 milhões de rãs são servidas à mesa todos os anos - é a acção do homem no meio ambiente a principal culpada do declínio rápido nas populações de anfíbios nos últimos 20 anos.

Dotados de uma pele permeável, os anfíbios são quasi indicadores da qualidade ambiental já que são muito sensíveis à poluição, do ar e da água. Para além disso, as populações de batráquios estão a ser ameaçadas por fungos com efeitos mortais, Batrachochytrium dendrobatidis, cuja proliferação se pensa estar relacionada com o aquecimento global. O Batrachochytrium dendrobatidis, que já foi detectado em todos os continentes, menos na Antárctida, foi responsável pela extinção nos últimos anos de 70 espécies de sapos da América Central e da região tropical da América do Sul e pelo declínio de pelo menos 93 espécies de anfíbios no mundo, 43 delas na América Latina.

O último número da PNAS inclui um artigo, Aquatic eutrophication promotes pathogenic infection in amphibians, que explica como a eutrofização está a contribuir para o problema. O excesso de nutrientes que são despejados nos cursos de água doce - devido a descargas de efluentes agrícolas, urbanos ou industriais -, leva à proliferação excessiva de algas e dos caracóis (Planorbella tenuis) que delas se alimentam. Os caracóis por sua vez são hospedeiros de um parasita da classe Trematoda, Ribeiroia ondatrae. Tal como o parasita que causa a malária, os trematodes têm várias espécies como hospedeiros durante o seu ciclo de vida, e este em particular infecta sapos causando deformidades muitas vezes fatais. Estas deformidades são até benéficas para o parasita uma vez que tornam um sapo infectado (e deformado) uma presa mais fácil para pássaros, o hospedeiro final do Ribeiroia ondatrae.

O estudo apresentado no PNAS sugere ainda que o mesmo mecanismo que está a contribuir para a extinção de anfíbios, pode ajudar a explicar a incidência crescente de parasitas com múltiplos vectores que afectam o homem, da cólera à malária passando pelo febre amarela e dengue. No caso destas últimas doenças, acresce ainda que os anfíbios ajudam a controlar as populações de insectos, nomeadamente dos mosquitos que são o vector que nos infecta. Com a diminuição drástica de anfíbios aumentam as populações de insectos transmissores de doenças e a probabilidade de infecção do Homem. Anualmente, só a malária mata cerca de 2 milhões de pessoas e afecta aproximadamente 500 milhões ...

2 comentários:

Ciência Ao Natural disse...

Excelente referência!
Niles Eldredge já tinha utilizado a metáfora de um organismo como indicador ambiental, no seu livro O Canário do Mineiro .
Esta ave era utilizada nas minas como um detector natural de concentrações excessivas de gases tóxicos.
Parece-me que os anfíbios referidos são mais um exemplo e metáfora do que poderá estar a acontecer no Planeta.

Luís Azevedo Rodrigues

Anónimo disse...

Excelente post, Palmira. Pergunto-me se um piso sintético (qual a composição dos materiais usados? Desfazem-se com o tempo?) num campo de futebol próximo de uma população de sapos parteiros, em plena cidade de Coimbra (será que ainda lá estão? E era este o nome da espécie, mesmo?) será realmente uma boa escolha para o Jardim da Sereia. Mas foi o que li recentemente no Diário de Coimbra. Aqui deixo mais esta pergunta!
Adelaide Chichorro Ferreira

NOVA ATLÂNTIDA

 A “Atlantís” disponibilizou o seu número mais recente (em acesso aberto). Convidamos a navegar pelo sumário da revista para aceder à info...